Pesquise no Blog

Relatos de um Turista Mocorongo em Santarém

A VIAGEM DE IDA

Crônica Segunda

Saímos de Manaus às seis e dez da manhã do dia 22 de dezembro de 2003 numa lancha “a jato” do porto da escadaria dos remédios, por trás do mercado Adolpho Lisboa. A vista que vai ficando para o lado esquerdo da lancha é muito bonita de ser apreciada por alguém que pouco tem esta oportunidade, como eu. Logo você pode ver toda a orla da Manaus moderna. A seguir vem a ponte de Educandos e a orla do Amarelinho, local onde a noite deste bairro de Manaus, o Educandos, ferve com seus barzinhos e coisas mais. Logo a frente, à direita, vem a feira da Panair e outros bons locais para serem vistos deste ângulo diferenciado, que é vê-los de dentro de uma embarcação no meio do rio Negro.

Para o lado direito da embarcação podemos ver toda a orla ainda verde da margem. Após 15 minutos chegamos em nossa grande atração turística, o encontro do rio Negro com o Rio Amazonas. Notei que a esta hora da manhã, ainda sem o sol forte o encontro fica sem os reflexos que são comuns e que fazem com que esta vista seja mais maravilhosa ainda. Depois do encontro das águas, decidi dar uma relaxada e apenas fiquei apreciando a vista pelo vidro da janela. Uma outra lancha nos acompanha, pois havia saído no mesmo horário. Um pouco mais a frente podemos ver à direita o porto da CEASA e também a Petrobrás com seus navios petroleiros ancorados e seu fogo eterno, que fica no alto de uma torre e que pode ser visto a qualquer hora do dia ou da noite.

Depois destas belas vistas panorâmicas pude comer uma fruta fresca e brincar um pouco com meu filho. A primeira cidade que agente para é Itacoatiara. Na margem esquerda do rio Amazonas. Paramos rapidamente para pegar uns poucos passageiros e logo seguimos viagem rumo a Parintins, próxima cidade em nossas escalas. Chegamos em Parintins por volta das onze horas da manhã. Parintins é a famosa cidade dos bois bumbas garantido e caprichoso, onde no dias 28,29 e 30 de junho se realiza o não menos famoso festival de Parintins. É uma cidade muito bonita e de grande apelo turístico em todo o ano, além do festival, possui uma centena de lagos e ilhas que fazem desta um lugar muito bonito de ser visitado. Pena que não podemos descer e aproveitar um pouco da cidade. Alguns passageiros descem, outros embarcam. Partimos uns vinte minutos depois rumo a cidade de Óbidos, já no estado do Pará.

São duas horas da tarde quando chegamos em Óbidos no estado do Pará. Como sempre que ali passo, me vem na mente a lembrança do desastre do barco Sobral Santos e faço uma breve oração por todas as vidas que ali se perderam. A cidade não mudou muito na sua frente desde a última vez que por ali passei anos atrás. Mas continua sendo uma cidade pacata e de ar bucólico. Tenho muitos amigos em Manaus que nasceram ali. Partimos alguns minutos depois rumo a nossa parada final em Santarém.

Na viagem em qualquer momento é uma boa hora de se apreciar as margens. A lancha viaja sempre a uma distância próxima destas e é comum agente ver as casinhas das pessoas que habitam nestes confins amazônicos. De longe agente avista aquela fumacinha saindo em algum ponto e logo podemos ver uma casa no meio da mata. Penso como deve ser heróica a vida de quem se arrisca a ali viver longe de tudo e ao mesmo tempo me pergunto se num é essa uma vida melhor que a nossa na cidade. Imagino ali que deve ser uma luta diária pela sobrevivência. Pescar, plantar, criar alguns animais, colher, enfim, fazer diariamente uma rotina puxada das lidas da floresta. Porém, ao confrontar com a vida da cidade, onde existe o trânsito, assaltos, ônibus lotado, as dificuldades de ter que comprar tudo muito caro nos supermercados, me fica a dúvida, mas acho que esta é uma questão que tem seus vários ângulos de estudo e não me cabe aqui afirma-los.

Existem muitas criações de gado que podemos ver em alguns lugares onde passamos. Algumas vilas são avistadas em grande parte da viagem. Pena que não sei o nome destas. Algumas vilas são como mini cidades. Tem uma igrejinha, uma sede com nome de um time de futebol ou da comunidade na parede, um cemitério, pequenos comércios e muitas casas. Algumas com luz elétrica e antena parabólica. Outras ainda sem as fiações que denotam que ali o progresso da eletricidade já se faz presente. É possível ver muitas embarcações na viagem também. Desde grandes balsas transportando de pedra a carros, até pequenas canoas impulsionadas por moradores ribeirinhos. Nos impressionou uma aonde ia uma senhora e seis crianças, sendo umas ainda de colo. Na pequena canoa a mulher e um garoto de uns 8 anos mais ou menos, remavam tranqüilamente e ainda acenaram para as pessoas na lancha, inclusive para eu e minha família. Esta sim é uma visão que nos remete a ver como a Amazônia é um lugar ímpar no mundo, pois esta nos reflete a verdadeira face das origens de muitos de nossos ancestrais.

A floresta que se estende parecendo infinita para ambos as margens que olhamos, é uma visão à parte na viagem. Isso me leva a pensar que ali existem coisas e animais que agente nem imagina. Nela existem segredos dos mais variados com certeza. Só de imaginar uma pessoa perdida no meio de uma selva daquelas, me arrepio. Mas acho que isso é dado minha ignorância no assunto sobrevivência na selva. Existem árvores enorme. Muitas caídas na margem para dentro do rio, isso devido o fenômeno das terras-caídas que é causado pelo constante vai-e-vem das ondas. Imagino que a cada ano o rio deve ficar mais largo devido este fenômeno. Em alguns locais podemos ver restos de currais que estão caídos dentro da água. Ali é notório que o barranco desabou há pouco tempo. Dizem que é comum também os ribeirinhos mudarem suas casas cada vez mais para dentro da mata, pois o barranco vai se desmoronando e é preciso fazer a casa ou maloca com uma distância segura, assim essa não corre o risco de cair no rio repentinamente. Esse fenômeno de terras-caídas é citado em várias fontes históricas, mas vendo-o se torna muito mais fácil de compreende-lo. Com certeza se você fizer uma viagem de barco pelos rios amazônicos, principalmente no Amazonas, que recebe este nome da cidade de Belém até Manaus e daí em diante é conhecido por rio Solimões, você verá terras caindo nas margens com muita frequência.

É difícil agente não se emocionar com tanta beleza ao nosso redor. Eu que sou nascido e criado aqui, fico maravilhado com tanto esplendor e infinita grandeza desse rio e mata que nos rodeia. Percebo como é necessário cada vez mais a nossa consciência de preservá-los. Nesse momento me volto a lembrança de minhas primeiras viagens pelos rios amazônicos em 1980 com minha família paterna. Era comum as pessoas jogarem coisas dentro do rio, como latas de refrigerantes, sacos, cascas de frutas etc. Hoje em dia, 23 anos depois é muito raro ver alguém fazendo isso e muito mais comum ver alguém dizendo que não é certo jogar lixo para dentro do rio. A lancha que viajo possui vários cestos de lixo distribuídos por toda extensão do corredor. Imagino que seria muito interessante se tivéssemos em cada embarcação que navega pelos nossos rios, panfletos que falassem dessa necessidade de mantermos nosso maior patrimônio limpo; com certeza atingiríamos muitas pessoas que por ignorância ainda agem de forma contrária. Absorto em meus pensamentos nem percebo que já é possível avistar as primeiras luzes de minha cidade natal, Santarém no estado do Pará. A emoção começa a bater forte neste momento. Melhor nos prepararmos pra a chegada e para o impacto da vista na frente da cidade. Sigam-me.

Nenhum comentário: