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A Crise, por Selvino Heck

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Estes dias, surpreendentemente, o Jornal Nacional fez ampla reportagem sobre o que está acontecendo na Califórnia, o Estado mais rico dos Estados Unidos, que, fosse país, seria o quinto mais rico do mundo. E mostrou o que chamou de cidade das tendas: um imenso acampamento de pessoas desempregadas, desalojadas de suas casas, vivendo debaixo de lonas, de barracas de praia ou de qualquer coisa que se pudesse chamar de casa. Até mostraram uma invenção dos pobres americanos, uma barraca sobre rodas, permitindo mobilidade para ‘morar’ em qualquer lugar. Só faltavam mesmo as lonas pretas para ser um típico acampamento de sem-terras brasileiros.

As pessoas foram sendo entrevistadas e falaram de seus dramas. Há os que perderam o emprego e não tem mais como sustentar a família; há os que não puderam mais pagar as prestações de suas casas e tiveram que abandoná-las; os que empenharam todas as suas economias em bancos que faliram e tiveram que largar tudo, acampando no primeiro lugar que encontraram, onde pelo menos têm vizinhos, também acampados.

Como o acampamento vinha recebendo mais ocupantes a cada dia, as imagens de televisão rodando o mundo, dias depois apareceu, em outra reportagem, o governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger dizendo que ia tomar providências. Anunciou que iria retirar as pessoas, tal como tantas vezes se viu e eventualmente ainda se vê no Brasil.

A crise é mesmo muito forte. No quarto trimestre do ano passado, houve uma retração de 6,4% da economia americana. O governo americano já injetou - assim como governos europeus e o japonês - trilhões de dólares em bancos e imobiliárias à beira da falência, em montadoras como a GM e a Ford, ameaçadas de concordata. E não se anuncia no horizonte, pelo menos no curto prazo, uma luz no fim do túnel.

Luís Nassif publicou em seu blog uma mensagem esclarecedora, com o título A CRISE AO VIVO: "Nassif, aproveito o espaço para descrever um Estados Unidos como nunca vi. Há cerca de 20 anos vou para os EUA ao menos duas vezes ao ano, mais especificamente Califórnia e New Jersey. Voltei ontem de New Jersey e fiquei aterrorizado. A crise que se comenta no Brasil aqui é muito maior do que se imagina. Para se ter uma idéia, sempre fico no hotel Hyatt, que tem cerca de 400 quartos. Apenas 15 (QUINZE) estavam ocupados. Nunca vi isso, esse hotel sempre teve muita ocupação, normalmente minha reserva tinha de ser feita com pelo menos 30 dias de antecedência para garantir a disponibilidade. Uma rápida conversa com um funcionário do hotel deu a medida: cerca de 1/3 do pessoal já foi dispensado, e se esperam mais demissões a curto prazo. Ainda segundo ele, oficialmente não se fala em fechamento, mas os funcionários estão com medo que aconteça, mesmo que temporariamente.

Para o encontro que tive, um dos representantes não apareceu (o da Califórnia). Por incrível que possa parecer, porque cortaram emergencialmente todas (TODAS) as verbas de viagem da empresa. O representante local (de New Jersey), que compareceu na reunião, me passou que, dos quase 500 funcionários, 100 já foram dispensados. Despediu-se dizendo que sempre foi um prazer se encontrar comigo e torcia para que não estivesse na próxima lista de dispensas. Um executivo francês que estava no hotel se disse impressionado, pois no vôo da França para os EUA a classe executiva tinha apenas cerca de 10 assentos ocupados, e 4 deles eram de uma família que voltava de férias.

Passando no shopping (costumo ir no Riverside Square), o cenário é desolador. Não só o shopping estava vazio em pleno sábado à tarde, mas várias lojas fecharam, várias mesmo. Conversando com as pessoas em geral, é latente a sensação de desânimo e de falta de esperança. E só se fala nisso, é deprimente.
Voltei pra o Brasil com a sensação que aqui a crise está sendo uma marolinha mesmo. Mas também fiquei com a dúvida: será que a coisa vai ficar só assim mesmo, ou ainda iremos sentir reflexos maiores desse estado de torpor que assola a economia americana. Oxalá... Viva a marolinha!" Assinado: Doug.

Pronunciamentos e análises se sucedem na reunião do G20, com a presença do presidente Lula. O relatório da Comissão de Desenvolvimento Sustentável, instituto independente de assessoria do governo britânico, procura separar ‘prosperidade’ de ‘crescimento’, pedindo aos governos um sistema econômico sustentável que não se apóie em um consumo sempre crescente.

Malow Brown, principal negociador britânico para a cúpula do G20, diz: "Veremos após a crise uma recalibrada no estilo de vida, toda uma nova visão de futuro de um mundo menos conduzido pelo consumismo, talvez com o acréscimo de um mundo no qual o poder tenha algo mais bem distribuído".

Segundo Pascal Lamy, Diretor Geral da Organização Mundial do Comércio, ‘o modelo de capitalismo que conhecemos nos últimos 50 anos não se sustenta. A questão fundamental é saber se há que readaptar, arrumar ou reformar o capitalismo ou se é preciso ir além, ser mais profundo nas mudanças e ir mais fundo nos retoques."

O presidente Lula escreveu em artigo publicado no Le Monde: "É chegada a hora da política e de restabelecer o papel do Estado. Mais que uma grave grise econômica, estamos diante de uma crise de civilização. Ela exigirá novos paradigmas, novos padrões de consumo e novas formas de organização da produção. Precisamos de uma sociedade onde homens e mulheres sejam sujeitos de sua história e não vítimas da irracionalidade que imperou nos últimos anos".

Os sem-terra e os sem-teto americanos levam a refletir sobre o tipo de desenvolvimento legado pelo neoliberalismo e sobre a estrutura e valores da sociedade capitalista. Não dá mais para fugir da discussão de um novo modelo, com outros parâmetros, organização e valores. Ou como muitos de nós vêm dizendo faz tempo: está na hora da construção coletiva ‘de um outro mundo  possível’.

* Assessor Especial do Presidente do Brasil

Coordenador do Thaler Nacional

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