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Crônica da Semana

Indisposição

Naquele domingo O Zé num tava legal. Logo cedo num comparecera a pelada matinal da turma no campo de futebol do bairro. E olha que era do lado de sua casa. Mais tarde um pouco recusou o convite da já corriqueira cervejada dominical no Bar Mesa 14. A Turma tava sem entender direito. Logo o Zé que num faltava nunca. Era ali no bar que toda a turma de imigrantes de vários estados brasileiros se reuniam pra jogar conversa fora e zoar um do outro. Tinha gente do Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Pernambuco. Manaus era uma cidade que acolhia gente de todo canto e dava oportunidades a todos. E ali no bairro do Riacho Doce II num era diferente. Gente e mais gente de todos os cantos do país.
Mas voltando ao assunto, o Zé faltar na pelada tudo bem. Mas na cervejada num dava pra entender. Era ele que fazia o fogo da churrasqueira, que temperava a costela do boi e a picanha. Que contava as piadas de paraense. Todos sabiam que ele era natural do Pará, mas que tirava essa disputa cultural, que levava os amazonenses a inovarem nas piadas de paraenses, na esportiva. Ele dizia que por semana recebia via e-mail mais de uma dezena de piadas dos colegas das fábricas do distrito industrial. Escolhia ali as mais originais e trazia pra contar pra turma, que ria muito com as brincadeiras. Mas sempre contava uma de amazonense também, pra num deixar barato.
A turma sabia que aquela ausência num era bom sinal. Ou o Zé tava com um problema sério ou com raiva de alguém. Era ele também que fazia as vezes de defensor do bairro junto aos representantes da comunidade e as autoridades. Ele ligava pra rádios, jornais, prefeitura e tantas outras secretarias. Sempre que algo num ia bem no bairro lá estava o Zé ligando e pedindo ajuda pra consertar ruas esburacadas, pra retirar invasores da área verde do bairro, pra recolher lixo, limpar a área do campo de futebol e tantas outras coisas.
Assim aquela ausência do Zé podia representar algo muito sério. Ultimamente o bairro tava abandonado e embora o Zé ligasse pra um monte de gente, as coisas num tavam se resolvendo. Na rua de sua casa tinha um buraco que ele dizia que tava igual uma crônica do Stanislaw Ponte Preta, que falava de um buraco que tinha em uma rua e que os moradores já não sabiam se era o buraco que era na rua ou a rua que era no buraco. A rua dele tava nesse paradoxo. O buraco já ia até comemorar aniversário de um ano.
A outra coisa que incomodava o Zé era o lixo no bairro. O pessoal num tava muito ai pra isso, mas ele era inimigo de quem jogava lixo na área verde e nas esquinas. Num demorava meia hora depois que a prefeitura retirava casambadas de lixo e lá vinha alguns moradores com seus carrinho de mão cheios de entulhos de toa espécie e jogavam nas esquinas. Parecia até de propósito pro bairro permanecer sempre cheio de lixo e imundices de toda espécie. Ele já fizera campanhas na comunidade pra reverter isso. Já colocara placas. Já tinha feito até cerca de arame farpado numa parte da área verde e de nada adiantou, passado um tempo os próprios moradores já se encarregavam de voltar a sujar tudo de novo e destruir a placas e a cerca. Seria esse o motivo do Zé tá pra baixo naquele domingo Era o que a turma se perguntava.
Lá no Bar Mesa 14 todos já estavam reunidos e entre uma cerveja e outra alguém lembrava do Zé e dava sua opinião sobre a sua repentina ausência.
O Carlos Barriga dizia que o Zé tava com uma baita caganeira e que tava indo no banheiro de meia em meia hora e usando lencinho de neném pra fazer sua higiene pessoal, de tão ardido que o negócio tava.
O Juca do Churrasco achava que era porque ele tava com uns problemas pessoais com a comadre dele que o tinha pego no celular conversando com uma amiga e havia quebrado o pau. A coisa foi feia, dizia ele.
O Chico Pedreiro emendava dizendo que era porque ele queria construir uma piscina em casa e tava economizando até o do carvão pra poder dar fim ao seu sonho. Ele já me pediu até orçamento da obra. Vai fazer em outubro desse ano.
O Negão tava ali só na gelada. Abanando o fogo ouvindo as fofocas sobre o coitado do Zé e de supetão disse:
- Pessoal! Vamos tirar esse negócio a limpo. Um de nós vai lá com desculpa de emprestar aquele conjunto de facas de churrasqueiro que ele tem e no meio da conversa pergunta o que que ta pegando, assim agente para de falar e vai ter certeza do que que tá acontecendo com nosso amigo. Que você acham?
- Tai. Acho legal. Disse o João.
- Poxa Negão! Tu pensa heim!. Retrucou o Cosme. E quem vai ser o escolhido? Continuou ele.
- Ah! Pode ser o Barriga. Ele tem mais intimidade ou o Chico Pedreiro que sempre trabalha por lá. Disse Negão.
- Pode deixar comigo eu vou lá agora mesmo. Disse o Chico Pedreiro já de pé.
Enquanto o Chico ia se dirigindo a casa do Zé, que ficava numa esquina próxima. O pessoal ficava ali discutindo quem teria razão sobre o motivo da indisposição do Zé. Lógico que a confusão e a curiosidade tava tomando conta de todos. Demorou um tempo e lá vinha o Chico sorrindo. Quando ele chegou a turma o rodeou e queria saber de tudo.
- Fala Chico. O que o homem tem? Perguntou o Negão.
- E ai Chico é dor de barriga né? O Carlos questionava quase que ao mesmo tempo.
- Que nada, é a mulher que num deixou ele vir por causa do telefonema que eu falei. Num é Chico?
- Pô deixa o cara falar meu! gritou o Cosme. Diz ai Chico o que ele tem?
E sorrindo o Chico falou: - É Dengue!


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